Mutação Fotossintética

Aconteceu rapidamente. O excesso de luz azul dos celulares desencadeou uma mutação que mudou tudo. A fome se tornou obsoleta, substituída pela necessidade de luz solar. Tudo o que precisávamos fazer era ficar sob o sol, e a sociedade, por um momento, celebrou.

Fui parte da primeira leva a experimentar esse novo modo de vida. Sem a urgência de buscar comida, os restaurantes fecharam e a economia alimentar entrou em colapso. Mas não parou por aí. As pessoas, sem mais precisar trabalhar para sobreviver, começaram a se desconectar de suas vidas anteriores. Rebanhos foram abandonados à própria sorte, e cidades antes vibrantes tornaram-se espaços vazios, exceto por alguns que ainda lutavam por empregos na nova economia solar.

O que parecia uma utopia logo revelou seu lado sombrio. Com a fotossíntese, o impulso de criar e inovar desapareceu. Empresas de tecnologia faliram e os avanços científicos cessaram. Sem a necessidade de inovação ou lucro, engenheiros e programadores desapareceram, e o mundo começou a se desfazer lentamente. A tecnologia que antes sustentava a civilização começou a falhar — sistemas de energia, telecomunicações, transporte — e as falhas tornaram-se frequentes. A cada queda de energia ou pane na rede, crescia o isolamento. As cidades ficaram silenciosas, não por falta de vida, mas por falta de propósito.

Ao mesmo tempo, os “não-mutantes”, aqueles que ainda dependiam de comida, tornaram-se marginalizados. Para eles, encontrar alimento era um desafio intransponível em um mundo onde a fotossíntese era a norma. Vagavam por ruas desertas, famintos e invisíveis a uma sociedade que já não precisava deles. Houve até relatos de canibalismo. A desigualdade se reconfigurou de forma mais cruel e silenciosa.

Com o tempo, a sensação de estagnação se aprofundou. A luz solar, que antes simbolizava esperança, passou a parecer um lembrete constante de um mundo que havia perdido seu impulso, sua direção. As pessoas permaneciam imóveis sob o sol, seus corpos nutridos, mas suas mentes vazias. A falta de propósito corroía a alma humana, e aquilo que antes era uma corrida frenética por progresso transformou-se em uma quietude sufocante.

Observei tudo com medo crescente. A fotossíntese nos livrou da fome, mas nos roubou o que nos fazia humanos: o desejo de criar, de interagir, de enfrentar desafios. Enquanto nossos corpos prosperavam ao sol, nossas mentes murchavam. E a escuridão que agora dominava não era física, mas uma sombra invisível, apagando lentamente quem fomos.

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