Acordei com luz suave atravessando as cortinas finas do quarto. Não saberia dizer se era cedo ou apenas calmo. A casa ainda não havia assumido sua forma completa — os contornos estavam ali, mas as superfícies pareciam repousar, como se tivessem sua própria rotina de despertar.
Permaneci deitado por alguns minutos. Os ossos pareciam em paz, o colchão cedeu com familiaridade. O teto — branco, de leve textura — refletia a luz em pequenas oscilações. Era domingo. Eu sabia, mas não havia nada que confirmasse.
Levantei e caminhei até a cozinha. Lavei a chaleira. A água demorou a aquecer. Peguei as folhas — um chá escuro, de aroma amadeirado — e deixei que repousassem. Cortei duas fatias de pão, passei manteiga, e deixei que a geleia escorresse sem pressa. Nada me apressava.
Sobre a mesa, um livro que tentava me convencer há dias. A capa estava gasta, as páginas um pouco ressecadas. Era um Wells. Li três parágrafos e percebi que não prestava atenção. Fechei o volume com cuidado. Um gesto calmo, quase cerimonioso. Prometi a mim mesmo que insistiria noutra ocasião.
Subi com a xícara ainda morna até o cômodo de trabalho. A luz passava pela claraboia em ângulo limpo, tocando a madeira do armário com delicadeza. O tabuleiro estava montado. A partida, em andamento há semanas, ocupava um canto da mesa. O adversário era constante, metódico, e sua última jogada havia deslocado meu centro de gravidade.
Observei. Considerei três alternativas. Eliminei duas.
Bispo para E5. Um movimento sem elegância, mas funcional.
Registrei o lance no cartão. Nenhuma saudação, nenhuma justificativa. Apenas a jogada e a data. Dobrei e deixei sobre o aparador, ao lado da estatueta de pedra que há anos guardava papelada irrelevante.
Antes de sair, percorri o herbário. O cheiro de fibras secas e papel envelhecido era reconfortante. Examinei uma folha prensada. Notas de escurecimento nos bordos. Possível fungo. Ou apenas tempo agindo sem pressa. Registrei no caderno:
“Manchas simétricas — possível espelhamento orgânico. Observar variação no exemplar 3.”
Coloquei o casaco leve. A sacola de tecido pendia do ombro como sempre. A luz externa estava clara, o ar, limpo. Caminhei por trilhas conhecidas, passando por muros cobertos de líquen, postes que pareciam não sustentar nada.
A feira era pequena. Algumas barracas fixas, outras improvisadas. Os cheiros se misturavam — pão fresco, madeira cortada, maçãs cruas. As vozes das pessoas chegavam em ondas baixas, como se as palavras fossem recicladas de domingos anteriores.
Fui direto ao ponto. Uma barraca de livros — três mesas, algumas caixas no chão. Títulos em desalinho, encapados por pó fino e ausência de interesse. Passei os dedos pelas lombadas. Nenhum nome conhecido hoje. Nenhuma descoberta. Apenas um pequeno panfleto dobrado sobre musgos de regiões úmidas e isoladas. Levei-o. O preço foi simbólico. O livreiro não falou. Assenti. Ele retribuiu.
No retorno, o caminho estava mais claro, como se a luz tivesse se firmado. Era difícil lembrar se havia vento. Um som irrompeu à frente — um estalo rápido, depois madeira sendo forçada. Um grito curto. Um animal reagindo.
Vi o movimento antes de entendê-lo. A carroça oscilou. O cavalo recuou o peso, depois lançou-o para frente. A pata subiu. Um gesto automático, não agressivo — apenas mecânico.
E então, branco.