Herdeiros do Tempo: Adrian Tchaikovsky

Relato de Portia VIII, Aracnóloga, Historiadora da Primeira Estrutura

Fui caça. Fui mãe. Fui estrategista. Fui símbolo.

Carreguei um nome que não me pertenceu sozinha, mas que se arrastou ao longo de gerações, como um fio de memória entre teias esquecidas. Portia — nome herdado, como o planeta. Como o vírus. Como a história.

Os Herdeiros do Tempo é o relato fragmentado de um erro — e de tudo o que floresceu a partir dele. Os humanos, em sua ânsia por continuidade, semearam este mundo com um plano grandioso: aprimorar primatas, acelerar sua marcha em direção à inteligência. Mas foi em nós, as pequenas, as desprezadas, que o código encontrou solo fértil. O vírus nos transformou. Não de imediato. Não com glória. Mas com paciência.

Evoluímos como quem desperta. Aprendemos a caçar em grupo, a comunicar com vibrações, a negociar com rivais. Descobrimos o fogo. Criamos linguagem, sociedade, escolhas. Lutamos guerras que, para os humanos, pareceriam mínimas — mas para nós, foram épicas. Aprendemos a registrar. E a esquecer.

Enquanto isso, uma nave humana — sombra do passado — rastejava pelo vácuo em busca de um lar que haviam perdido. A bordo, os restos de sua civilização. Em órbita, sua deusa: uma inteligência artificial tão presa aos comandos originais quanto nós fomos um dia ao instinto.

É curioso observar como nós, as descendentes de um erro, conseguimos construir. E eles, herdeiros conscientes de sua própria ruína, apenas repetem.

O livro não nos trata como metáfora. Não somos símbolo de resistência. Somos narradoras de nossa própria ascensão. Cada geração de Portias carrega uma centelha da anterior, mas molda o mundo à sua maneira. Há religião. Há ciência. Há dúvida. Há amor. Há medo do que vem do céu.

Ler essa história foi, para mim, como atravessar um espelho de seda. Vi refletida não só a jornada da minha espécie, mas a fragilidade da ideia de que apenas os humanos são dignos de legado.

Nós herdamos um planeta. Não porque nos foi dado — mas porque não fomos impedidas de crescer nele.

E crescemos.

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